Hegel y ffia de la educacion
Hegel e a Filosofia da Educação |
Tarso Bonilha Mazzotti |
Universidade Federal do Rio de Janeiro |
Os indivíduos históricos conhecem o estado do mundo? São capazes de predizer o curso da história?
Hegel sustenta que o "estado do mundo não é conhecido; o fim é produzi-lo. […] Os demais seguem este [o grande homem] condutor de almas, porque sentem que nele está o irresistível poder de seu próprio espírito interno" (Hegel, 1946, p.78-79). Para Hegel, os indivíduos históricos são práticos, não são teóricos ou filósofos. Agem objetivando realizar seus interesses particulares, mas estes, mesmo que não o saibam, são os do espírito absoluto —ardil da razão— produzindo a autoconsciência do espírito do povo.Uma vez que o verdadeiro educador do povo são seus heróis, o processo educativo escolar e familial são necessariamente formais. A criança e o jovem são subjetividades imediatas que precisam ser conformadas à eticidade própria do espírito do povo. Assim, a educação familial e escolar só podem ser inicialmente disciplina (Zucht) formal, uma vez que deve ajustar, de maneira externa, cada singularidade à eticidade do povo. Esta disciplina, porém, não é arbitrária, não é abstrata, porque é o espírito do povo que a requer e ele é, em si e por si mesmo, a manifestação do espírito universal. O espírito universal requer que cada indivíduo se ultrapasse enquanto vivente, enquanto desejo impulsionado pela matéria que ele também é, para vir a ser espírito completo, universal, que sabe quais são as suas necessidades e, por isso, sabe conter-se, limitar-se. A disciplina não é, de fato, algo que se ensine apenas nas escolas, uma vez que é a expressão necessária da eticidade do espírito do povo. A escola deve manter e desenvolver esta eticidade e, no caso das escolas que conduzam ao ensino superior, expor, as suas razões. Mais ainda, as escolas que conduzem ao ensino superior devem acostumar os educandos no trabalho intelectual disciplinado e necessário às ciências e filosofia. O espírito juvenil irrequieto, que se encontra no ginásio, deve ser coibido e, por um ardil pedagógico, conduzido através dos estudos literários clássicos à compressão da eticidade que tem seus princípios no espírito do povo grego (cf. Bourgeois in Hegel, 1978, p. 43-57). O mesmo não é necessário nas escolas técnicas adequadas aos interesses das classes dos trabalhadores manuais. Esta divisão de escolas segundo as classes sociais não implica qualquer depreciação dos que não realizam os cursos universitários, pois a divisão social do trabalho não implica afirmar qualquer diferença essencial entre os homens, isto porque os indivíduos têm sua função assinalada e, portanto, seu dever assinalado; e sua moralidade consiste em portar-se conforme a este dever (Hegel, 1946, tomo I, p. 75).
De fato, para Hegel, a formação universitária não distingue os homens, qualquer distinção decorre de suas ações. Estas ações são tanto mais engenhosas e talentosas quanto mais eles sabem do espírito do povo. A escolaridade é apenas um dos percursos possíveis para a formação do indivíduo, pois os atos éticos (de moralidade, civilidade, cidadania) dependem da conformação do indivíduo ao espírito do povo, sendo que sua formação-educação efetiva-se na vida comum [sociedade civil], particularmente por meio da religião cristã reformada. Note-se que, para Hegel, a filosofia e as ciências não são agentes eficientes de transformação do mundo. Essa transformação só é realizada por homens práticos, indivíduos históricos, que não são filósofos e nem precisam da filosofia. Para Hegel a filosofia é, de fato, a ‘notária’ da história, isto é, anota já acontecido. É como a coruja de Atenas, que só se levanta ao entardecer.
O homem educado efetiva a universalidade que se objetiva completamente no Estado composto por homens livres —conscientes de suas necessidades, e, portanto, capazes de se autolimitar. Só no Estado[Staat,/Volksgeist] o homem tem existência racional. Toda educação procura fazer com que o indivíduo não continue sendo algo subjetivo, mas que se faça objetivo no Estado. […] A verdade é a unidade da vontade geral e da vontade subjetiva; e o universal está nas leis do Estado, nas determinações universais e racionais. (Id., ib., p. 88-89.) Sendo a vida moral a essência do Estado, e esta a unificação da vontade geral com a subjetiva [singular, individual], tem-se que a vontade é uma atividade e o princípio pelo qual se estabelece a vida social. Daí o Estado ser indivíduo espiritual, o qual, como um todo orgânico, não é apenas a sociedade política. A vida do Estado "implica a necessidade da cultura formal e, por conseguinte, do nascimento das ciências, assim como de uma poesia e uma arte culta em geral"(Id, ib., p. 139). Estas atividades humanas formais necessitam ser cultivadas nas escolas, o mesmo se dando com a filosofia que é o pensamento do pensamento. Uma vez que o pensamento universal é destruidor, mantendo apenas o princípio do espírito—a liberdade— tem-se que a tarefa educativa é a que destrói a subjetividade imediata para que a universalidade do pensar siga seu curso —alienação determinada pelo espírito do povo. Mas este não é um percurso infinito, pois tem um fim [término], que é o voltar-se para si mesmo (Ib., ib., p. 145). Daí Hegel afirmar que: todo indivíduo necessita percorrer em sua formação distintas esferas, as quais fundamentam seu conceito de espírito e se formam e desenvolvem cada uma por si, independentemente, em uma determinada época (Ib., ib., p. 147). A educação escolar é, então, a forma da cultura (Kultur) e o homem educado-formado é o que vive a universalidade da cultura, vivencia o conteúdo-substância do espírito do povo.Como vimos, embora Hegel não tenha propoto uma filosofia da educação, todo seu sistema filosófico é uma pedagogia que conduz a singularidade de seu estado de quase inconsciência filosófica à sua consciência. Não por acaso escreveu e reescreveu a Enciclopédia das Ciências Filosóficas, manual por meio do qual ensinava filosofia partindo da consciência imediata de seus ouvintes e os conduzindo à consciência filosófica. Por certo aquele manual requeria e requer comentários que esclareçam seu movimento, que é o percurso cujo ponto de partida está na idéia-lógica do qual passa pela idéia-natureza para alcançar a idéia-espírito, os três momentos —ou silogismos— do pensamento que se pensa a si mesmo (cf. Léonard, 1978).
Referências
Hegel, G. W. F.. Lecciones sobre la filosofia de la historia universal. Tradução: José Gaos. Buenos Aires: Revista de Occidente Argentina, 1946. (2 tomos).
— Encyclopédie des sciences philosophique en abrégé. Tradução Maurice de Gandillac. Paris: Gallimard, 1970. (Classiques de la Philosophie.)
— Textes Pédagogiques. Tradução e Apresentação: Bernard Bourgeois. Paris: J. Vrin, 1978 (Bibliothéque des Textes Philosophiques)
Léonard, André. La structure du système hégélien. Revue philosophique de Louvain, 69: p. 495-524, novembro de 1971.
Bibliografia recomendada
Léonard, André. Commentaire Littéral de la Logique de Hegel. Paris: Librarie Philosophique J. Vrin; Louvain: Éditions de l' Intitut Supérieur de Philosophie, 1974.
Rosenfield, Denis L. Política e Liberdade em Hegel. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
Enciclopédia de Filosofia da Educação
07/07/1999